SOMOS
TODOS MARCELINOS
um pouco das muitas histórias
Por:
Casé Angatu
(Prof.
da Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC / Ilhéus-Bahia)
Katu
Tupinambá
(Prof.
da Escola Estadual Indígena de Olivença - EEITO / Ilhéus-Bahia)
No dia 06 de novembro de
1936, o jornal Estado da Bahia,
comemorando a prisão de Marcellino José Alves (Caboclo Marcelino – Índio de
Olivença/Ilhéus/Bahia), dizia em sua manchete: “Era uma vez o Caboclo
Marcellino”. Junto com ele também foram presos, conforme a foto a seguir tirada
na cadeia de Itabuna e da esquerda para direita: Caboclinho (17 anos),
Marcionilio, Marcellino, Pedro Pinto e Marcos Leite – veja foto abaixo.
Porém, ouvindo as falas
dos anciões de Olivença percebe-se que a manchete daquele jornal errou em sua
afirmação: Marcelino continua vivo até hoje nas memorias de vários moradores do
território indígena Tupinambá. A figura de Marcelino serve como um dos símbolos
da luta daquele povo indígena por suas terras. Uma memória guardada pelos
antepassados e que grande parte da população de Ilhéus e sociedade brasileira
não tem conhecimento.
De um lado, setores da
imprensa e as elites cacaueiras local sempre apresentavam Marcelino como
assassino, bandido e comunista. Aqueles que andavam com ele eram acusados de
bando de criminosos. Segundo o Processo nº 356 do Tribunal Nacional de
Segurança de 1936, julgando Marcelino, ele era “um malandro explorador da
ingenuidade dos pacatos e genuínos descendentes de caboclos que vivem na zona
de Olivença” (Auto de perguntas feitas a Marcellino Alves. Rio de Janeiro,
1936, Arquivo Nacional).
Algo que na atualidade
não mudou tanto. Após a publicação no Diário Oficial da
União do “Relatório
Circunstanciado de Delimitação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença”, em 20
de abril de 2009, aumentou a situação de difamação, perseguição e repressão sobre
os índios. Em 2010 foram presos o
Cacique Babau e seus irmãos Índio Givaldo e Índia Glicélia. Em fevereiro de
2011 foi a vez da Cacique Maria Valdelice (Jamopoty). Em abril de 2011 foram presos: Cacique
Gildo, Índio Mascarrado, Índio Del, Índio Maurício, Índio Nil. O Índio Del
perdeu mesmo a perna após um tiro quando de sua prisão.
Ainda são constantes ações de reintegração de
posse. Em agosto de 2012 Índios foram agredidos no
Aeroporto de Ilhéus chamados de vagabundos. Acontecimentos semelhantes
ocorreram em relação aos Pataxó Hã Hã Hãe e outros povos da região.
Parece mesmo que a
situação não muda quando envolve os direitos indígenas. Pensamos que o conjunto
destas ações reflete um quadro de arbitrariedade, intolerância, racismo e
criminalização que sofrem os Tupinambá de Olivença. Acusam os Caciques,
Lideranças e os Tupinambá de “crimes” como: “Esbulho Possessório; Formação de
Quadrilha ou Bando; Exercício arbitrário das próprias razões; Furto; Sequestro”. Ainda é assim que os povos
originários, ao lutarem por seus direitos, são tratados:
Entretanto, para os
anciões indígenas de Olivença, a história de Marcelino foi e é bem diferente.
Contando os acontecimentos da época quando foi preso, os mais antigos narram
que ele foi detido por causa da sua luta contra a invasão de Olivença por
pessoas que tomavam as terras indígenas. No mesmo Processo nº 356 do Tribunal
Nacional de Segurança de 1936 podemos ler que o objetivo dele era: “botar pra
fora de Olivença os grandes de lá que lhes tinha tomado as suas terras e
haveres (...) os quais, sem ser por intermédio de engenheiro, iam por conta
própria invadindo as terras dos caboclos, tomando-as e botando-os para fora,
perseguindo-os e escurraçando-os”.
Narram os anciões que
entre as décadas de 1920 e 1930 houve um grande processo de “massacre frio em
nossas terras”. Algo histórico quando nos referimos aos povos originários de
Olivença. Aqui vale lembrar o massacre ocorrido no Rio Cururupe, comandado pelo
governador geral da Bahia Mem de Sá, em 1559, que após as mortes estirou pela
praia cerca de uma légua de corpos de Índios mortos. Este episódio ficou
conhecido como “Batalha dos Nadadores”.
Segundo os anciões, a
“Revolta de Marcelino”, nome dado ao que ocorreu, foi porque ele não queria que
fosse construída a ponte sobre o Rio Cururupe. Os mais velhos contam que
Marcelino era um grande líder Tupinambá, lutando para a não construção da ponte
porque não queria que os Índios de Olivença tivessem contato com os brancos e
que ocorressem mais invasões em terras indígenas. Aliás, ele mesmo possuiu suas
terras e de seus parentes, invadidas.
Para percebermos como a
fala dos anciões relacionam-se com a figura de Marcelino, O jornal Diário da Tarde,
noticiou que “nas capitanias do estado e da república, consta que [Marcelino]
andou pelos ministérios e secretarias, tratando muito a sério da defesa dos
aborígines [...] clamando proteção para os donos verdadeiros da terra e mata
virgens”
Novamente como dizem os
anciões, a partir daí ele passou a ser muito perseguido pelos políticos e os
coronéis de Ilhéus. Os anciões explicam que Marcelino era um “Índio bom, que
ajudava a todos os parentes, mas mesmo assim era considerado um lampião, um
criminoso já que ele passou a incomodar, organizando o movimento indígena e
reivindicando os direitos”.
Os mais velhos contam
ainda que Marcelino era único Índio que sabia ler e escrever e isso incomodava
os poderosos da época. A luta de Marcelino era a necessidade de recuperar as
terras perdidas e de expulsarem os novos ocupantes da antiga aldeia de
Olivença. Por causa de sua luta passou a ser procurado pela policia que
maltratava e torturava os parentes para "darem conta de Marcelino”. Os
mais antigos falam assim sobre o que acontecia:
“Os policiais chegavam
arrombando as portas, queimando suas okas e matando seus animais. Arrancavam as
unhas, cortavam a língua, as orelhas... judiavam de todo jeito para dar conta
de Marcelino. Muitos parentes tiveram que fugir para as matas para não morrerem".
Uns dos Índios que a
polícia pegou foi Duca Liberato. Pedindo pra ele dar conta de Marcelino, calado
ele ficou. Então a polícia lhe arrancou as unhas, as orelhas e disse que da
próxima vez o mataria se ajudasse Marcelino.
Enquanto isso Marcelino
fugia mata a dentro, comendo farinha seca e peixe. Os parentes ficavam
preocupados sem saber seu paradeiro.
Marcelino se escondia na
Serra das Trempes numa toca. Ali muito machucado e sem ter o que comer foi
quando a polícia descobriu o seu paradeiro. Então armaram uma cilada e um dos
tiros acertou a perna de um dos tenentes. A polícia então recuou. Mas Marcelino
vendo o sofrimento dos parentes que eram maltratados e torturados pelos
policias para que desse conta dele, então acabou se entregando. Passou um tempo
preso e depois conseguiu fugir e se esconder de novo na Serra das Trempes.
Depois disso soube-se que
o pegaram e deram o sumiço nele. Até hoje ninguém sabe seu paradeiro e o que
fizeram com ele.
A luta de Marcelino, como
narram os anciões, é hoje exemplo para os Tupinambá de Olivença: é a luta pela
terra. Por isto falamos que SOMOS TODOS MARCELINOS.
Nossa homenagem às Palavras dos Anciões:
Dona Nivalda, Dona
Angelina, Dona Lurdes, Dona Genilda, Dona Matilde, Dona Domingas, Dona Dinete,
Dona Delfina, Dona Alice, Seu Alicio, Seu Pedro Braz
Para obter um cópia deste texto:
Publicado originalmente em: Coletivo Indígena - Kariri-Xocó, Karapotó, Xokó, Pataxó, Pankararu, Pataxó Hãhãhãe, Tupinambá. Índios na visão dos índios: Memória. Olivença/Ilhéus: Thydêwá, 2012.)
Este texto como o livro estão disponíveis em:
Este texto como o livro estão disponíveis em:
http://www.thydewa.org/wp-content/uploads/2012/10/memoria.pdf
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